segunda-feira, 30 de junho de 2008

O USO DA ARMA PELO POLICIAL E A MORTE NA PORTA DA BOATE


O uso da arma pelo policial e a morte na porta da boate






Por Milton Corrêa da Costa*

Ainda que a experiência recomende aguardarmos a devida apuração legal dos fatos, na busca e obtenção das provas e sobre a dinâmica e circunstâncias que envolveram determinado crime, cabendo ao Ministério Público e a Justiça se pronunciarem posteriormente, o lamentável episódio, que redundou na trágica morte do jovem Daniel Duque, de apenas 18 anos, na madrugada de 28/06, na porta de uma boate, em Ipanema, na Zona Sul do Rio, requer reflexões e precisa produzir ensinamentos.

" Um policial, estando ou não em missão direta de preservação da ordem pública, só pode fazer uso de sua arma na legítima defesa de sua vida e da dos concidadãos "

Em primeiro lugar, um policial, estando ou não em missão direta de preservação da ordem pública, só pode fazer uso de sua arma na legítima defesa de sua vida e da dos concidadãos, devidamente caracterizada a situação de perigo real e risco iminente. Em situação de agressão física (luta corporal) entre partes, deve procurar intervir de forma seletiva, com técnica e equilíbrio, no emprego progressivo da força, única e exclusivamente para por fim ou neutralizar a ação dos oponentes e conduzi-los ou providenciar que sejam conduzidas as partes à Delegacia Policial.

A missão secundária de proteção pessoal ou de segurança privada, seja a quem for que se preste os serviços, não afasta nunca o agente da autoridade de sua missão principal que lhe reserva, primeiramente, a defesa da sociedade e a de todos os concidadãos, independentemente de cor, raça, credo, sexo, sexualidade, religião e condição social. Todos são iguais perante a lei ou pelo menos, no país do "sabe com quem está falando", deveriam ser. A igualdade perante a lei, cujo policial deve sempre observar, está prevista na Constituição (cidadã) de 1988. O policial é o primeiro defensor da sociedade e como tal deve agir. Alguns deveriam pelo menos aprender tal postulado.

Excesso no uso da força invariavelmente redunda em tragédia. Há meios de atuação técnica e equilibrada em casos semelhantes, onde o uso da arma, de modo seletivo e progressivo, só pode ser justificado de forma dissuasiva, tantas vezes quantas necessárias, visando desencorajar oponentes, sem que se precise alvejar órgãos vitais de um ser humano, como no caso da morte do jovem Daniel Duque, atingido a curta distância na região do tórax. Há informações, a serem confirmadas no laudo cadavérico, de que Daniel tenha sido atingido pelas costas, o que pode determinar que o tiro foi disparado de forma inconseqüente para um profissional de polícia.. Ainda que a vítima fatal pudesse estar se comportando de forma agressiva - a investigação saberá dizer- o uso da força para contê-la deveria ser o necessário e na medida necessária para repelir a agressão. Nada mais do que isso.

Vale lembrar que o policial havia sido designado em missão de dar proteção, de forma extensiva a familiares, a uma promotora de justiça, em razão da possibilidade de represálias de narcotraficantes pela atuação da referida autoridade como fiscal da lei, tendo inclusive sofrido esta ameaças de morte. A missão do agente não era, portanto, tomar partido daquele que protegia em desavenças pessoais que acabaram, naquela madrugada, redundando em confronto corporal na via pública. Deveria ter o discernimento de separar as duas coisas, cabendo-lhe no episódio, como defensor da sociedade, ter atuado pura e simplesmente para restaurar a ordem no momento. A conduta irregular do policial em questão, no uso indevido e excessivo da força, na agressão letal ao jovem, fica caracterizada inclusive pela fuga apressada do local, quando ali deveria permanecer e acionar imediatamente o socorro policial. Quando um policial age conscientemente, através dos meios moderados, para restaurar a ordem pública, nada tem a temer.

Há que se ressaltar, e é bem verdade, que na guerra do Rio, de ambiência de extrema violência, muitas vezes não resta ao policial outra alternativa senão matar para não morrer. O caso presente não se caracterizava de confronto bélico. É preciso entender que a profissão policial é diferenciada, um verdadeiro sacerdócio, que lida com os maiores bens tutelados, vida e liberdade, numa linha de atuação às vezes muito tênue, mas que o profissional de polícia tem que saber discernir. Não cabia o uso da força máxima naquele momento, na porta daquela casa noturna. Quem atira a queima roupa no tórax sabe que pode produzir resultado extremamente danoso. A arma que a sociedade confere ao policial, lhe dando direito ao porte, não pode voltar-se contra a própria sociedade.

Aos pais e responsáveis, entre os quais me incluo, fica também o ensinamento de que no mundo atual, mais do que nunca, precisamos estar atentos sobre o comportamento de nossos filhos também da porta pra fora, ainda que os jovens, em período de formação social e de auto-afirmação, tenham por característica a impulsividade e o desafio ao perigo. Se associada a imaturidade com um pouco de bebida alcoólica e energético, mistura explosiva hoje muito em moda entre a juventude, as conseqüências as vezes não são das melhores, vide por exemplo as tragédias no trânsito brasileiro nas madrugadas dos finais de semana. Que o lamentável episódio, que envolveu a perda de mais uma vida preciosa, traga pelo menos reflexões e ensinamentos para todos nós.


*Milton Corrêa da Costa é tenente-coronel da PM do Rio e estudioso em violência urbana


Fonte O Globo online

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