domingo, 1 de abril de 2012

Tráfico e milícia transformam cidade baiana em "capital da morte"

Tráfico e milícia transformam cidade baiana em "capital da morte"




INARA CHAYAMITI
DIÓGENES MUNIZ
ENVIADOS ESPECIAIS A SIMÕES FILHO (BA)


Simões Filho, Bahia, 25/03/2012





"Aqui é a cidade do corte! Aqui a gente trata na bala!" A fala é de um morador de Simões Filho, município da região metropolitana de Salvador com 112 mil habitantes e título de mais violento do país.

"Isso daqui é tudo major morto", continua o sujeito, sem se identificar, apontando para as gavetas do pútrido e superlotado cemitério São Miguel, no bairro de Ponto Parada. "Rapa daqui!"

A cidade é apontada como a mais perigosa do Brasil no Mapa da Violência 2012, publicado em dezembro do ano passado pelo Instituto Sangari.

Divulgado desde 1998, o Mapa da Violência é o mais confiável indicador da criminalidade brasileira. Seus dados são obtidos a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que centraliza dados de óbitos em todo o país.

Na média entre 2008 e 2010, Simões Filho teve 146 homicídios por 100 mil habitantes. O estudo considera epidêmicas taxas a partir de dez mortes por 100 mil pessoas.

Ciudad Juárez, que liderou o ranking das mais violentas do mundo durante três anos, apresentou, em 2011, taxa de homicídios de 148 por 100 mil. Com a diferença que a cidade mexicana possui 1,3 milhões habitantes --é onze vezes maior que Simões Filho.

A divulgação do ranking não chegou a surpreender a população simõesfilhense. No Mapa da Violência 2011, a cidade já ocupava a vice-liderança.


TRÁFICO E MILÍCIA

A TV Folha visitou o local, a 23 km da capital baiana, no último mês. Durante três dias, a equipe coletou relatos de vítimas da violência do tráfico ou das milícias. A reportagem também flagrou dois corpos jogados na BA-528 (Estrada do Derba). Ambos com sinais de espancamento, marcas de tiro e punhos algemados.

"Mais de 60% dos homicídios aqui são causados pela ação do tráfico", diz o delegado Antonio Fernando Soares do Carmo, titular da 22ª Delegacia Territorial de Simões Filho. Ele admite, no entanto, que os corpos encontrados algemados em fevereiro mostravam sinais de ação de milicianos.

As vítimas fatais de Simões Filhos são encaminhadas para o Instituto Médico Legal de Salvador, já que a cidade não possui IML próprio.

"Todo dia tem óbito aqui que vem de Simões Filho", relata Ana Paula Teixeira, funcionária responsável pelo atendimento às famílias que chegam no IML da capital baiana. "E 80% [dos corpos] são de mortes violentas", afirma.

Segundo Ana Paula, os caixões que chegam de Simões Filho "são muito simples, doados pela prefeitura, porque a maioria da população é de pessoas paupérrimas".

Para a florista Josineide Gomes, 39, "o que mais tem na cidade é enterro".. Seu sobrinho foi assassinado logo após o Natal de 2008, aos 16 anos.

"Acho que ele se envolveu [com o tráfico]. Mataram e ainda cortaram os testículos", desabafa.

Há também quem veja oportunidades de negócios na líder do Mapa da Violência.

"Simões Filho, para mim, foi um atrativo, porque percebemos que existe uma fragilidade na área da segurança lá. Nossa empresa cresce em torno 40% ao ano", diz, Marcos Carvalho Santana, sócio da empresa de segurança privada Escolta VIP.

"MAIS UM MORTO AQUI"

No começo deste ano, um assassinato ganhou destaque entre as dezenas de homicídios violentos da cidade. O radialista Laécio de Souza, 40, foi morto a tiros num terreno que havia comprado para realizar ações sociais no bairro de Jardim Renatão, um dos mais carentes.

A polícia chegou a prender um jovem de 16 anos, que confessou ter feito os disparos e seria ligado ao tráfico.

Outro suspeito da mesma idade acabou brutalmente assassinado semanas depois --seu corpo foi encontrado com os punhos amarrados em um ponto de "desova", onde os corpos são jogados após os crimes. Souza era pré-candidato a vereador.

"Evito sair de casa, até porque já fui ameaçado de morte", diz o sobrinho do radialista, Rafael Araújo Santos, 18.

Para passar o tempo, Santos, que é desempregado, navega na internet, baixa músicas e troca mensagens pelo Facebook com os amigos do mesmo bairro (conhecido como "quilômetro 25").


 Foto de Diógenes Muniz/Folhapress

"Mais um morto aqui no KM 25", relatou, no início de fevereiro em seu mural --duas pessoas comentaram, ninguém 'curtiu'.

BAR OU IGREJA

Logo atrás da violência, a falta de opções de lazer na cidade é uma das principais reclamações dos simõesfilhenses.

"As opções aqui são bar ou igreja", resume o professor de matemática Rodrigo Magalhães, 24, que nas horas vagas toca baixo na banda punk Último Grito.

Seu grupo entoa letras protesto inspiradas nos problemas da cidade. Magalhães relata já ter sido agredido em shows pela região, com direito a plateia municiada e corre-corre para escapar vivo do palco.

"Fora isso, temos muitos casos de corrupção, que são totalmente vinculados ao poder público", diz.

Desde 1992, a Prefeitura de Simões Filho é palco da alternância de poder entre dois caciques locais.

Este já é o terceiro mandato do médico José Eduardo Mendonça de Alencar (PSD) no comando da cidade. Alencar é alvo de quatro ações do Ministério Público Federal da Bahia por improbidade administrativa. É acusado de envolvimento em esquemas de fraudes a licitações.

O político vinha se alternando no poder com Edson Almeida de Jesus (PT) desde 1992.

Em 2008, Edson Almeida foi condenado por improbidade administrativa, teve decretada a perda da sua função pública e a cassação dos seus direitos políticos por oito anos. Também foi obrigado a devolver à União, corrigidos, mais de R$ 640 mil.

Edson Almeida fraudou o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), desviando dinheiro que deveria ser investido em custeio de transporte escolar. Ele recorre da decisão da Justiça.

"DESOVA"

Convidada durante três semanas a se pronunciar sobre a escalada da violência na cidade e as denúncias de corrupção, a Prefeitura de Simões Filho preferiu não se manifestar por telefone ou e-mail.

A reportagem também tentou encontrar o prefeito enquanto esteve na cidade, em fevereiro, mas ele recusou todos os convites para entrevista.

Logo após a divulgação do Mapa da Violência 2012, a prefeitura divulgou um comunicado informando que o cálculo do estudo do levantamento é "distorcido", pois "ignora a origem correta dos homicídios".

O município alega que muitos dos assassinatos ocorridos nas cidades vizinhas acabam "desovados" nas estradas que perpassam Simões Filho.

A Polícia Militar da cidade admite, no entanto, que há bairros com forte influência do tráfico e de difícil acesso para as autoridades.

Enquanto a prefeitura tenta tirar alguns corpos da soma final de homicídios, a economia local afunda.

Simões Filho é o segundo município que mais perde postos de trabalho na Bahia, atrás apenas da capital Salvador, de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Dados de dezembro de 2011 mostram que 1.044 vagas foram eliminadas, 936 apenas no setor de serviços.

Fonte: Folha

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