segunda-feira, 18 de junho de 2007

DEMOCRACIA VIOLADA



A COVARDIA DE NÃO SE ACOVARDAR


por Paulo da Vida Athos.


O governador Sérgio Cabral afirmou nesta sexta-feira: “-Nós não vamos nos acovardar. A policia continuará numa estratégia de combate a criminalidade. A informação que nós temos é que na Vila Cruzeiro e no Alemão nós estamos conseguindo sufocar o tráfico. A capacidade financeira deles está bastante diminuta, o enfrentamento está deixando eles enfraquecidos, e nós vamos continuar esse trabalho. Nas outras áreas da cidade também.”

O que sua excelência não está levando em conta são as mortes de inocentes em meio a essa cruzada em que os “bárbaros” são todos aqueles que moram em nossas favelas. Na melhor das hipóteses passará para a história como um governante sanguinário, como alguém que oficialmente escolheu para inimigo o conjunto dos excluídos circunscrito em nossos guetos. Jamais como alguém que ajudou a melhorar a vida dos cariocas, dos cidadãos fluminenses, fomentando a educação, investindo no sistema de saúde, diminuindo o índice de desemprego, promovendo o saneamento básico ou combatendo a fome dos mais miseráveis.

Por mais que a polícia mate o inimigo (que são os criminosos), e ainda que todos os mortos fossem criminosos (e sabemos que tal não é a verdade), nenhum efeito teremos alcançado para conter o crime e a criminalidade, que não seja o de eleger uma determinada categoria de pessoas como inimiga: os favelados. As estruturas consequênciais são realimentadas pelas causas já propagadíssimas pelas ciências sociais, conhecidas por todos, que se somam à corrupção crônica de parte de nosso aparelho policial, nessa bola de neve.

A política de segurança empregada por sua excelência vai muito além da mera covardia e cruza a fronteira da insanidade. Se não bastam as 21 pessoas mortas e 63 feridas nos confrontos entre policiais e traficantes em menos de 45 dias, resultado até aqui alcançado pela pirotecnia dessas ações letais para a sociedade, devemos ficar todos de prontidão. Afinal, o que é uma ditadura senão a supressão dos direitos ou a ingarantia dos mesmos?

Não podemos ficar com os cínicos que acham tudo isso normal. Não é normal. No Estado Constitucional e Democrático de Direito, ter direitos e não ter instrumentos que os garantam é o mesmo que viver em ditadura.

O Ato Institucional n.º 5, que democratas e socialistas de gabinete tanto gostam de mencionar em suas teses e discursos contra o golpe de 64, que foi uma covardia, que deu poder de exceção aos governantes para de forma arbitrária punir os inimigos do regime militar, nem no auge de sua aplicação acobertou um escancarado banho de sangue como o que estamos testemunhando agora. Só em 2007, a polícia fluminense matou 449 pessoas em confrontos. Coisa de envergonhar quem tem pudor e colocar qualquer Médici ou Pinochet no chinelo.

No entanto, o que fazem os operadores do Direito? Nada! Era de se esperar que o Ministério Público, que é órgão fiscalizador da legalidade dos atos com repercussão social, em razão de seu dever, tomasse uma atitude. De lá, só vem silêncio. E para mim tal silêncio é omissão. O mesmo se aplica ao Poder Judiciário, que ainda legitima esses atos hostis com cara de guerra civil.

Não pode quedar inerte aquela fatia da sociedade que tem condições de ser ouvida, que é a classe média, apenas porque aparentemente não é para ela que a banda toca. Essa inércia é burra e a ela se junta o silêncio da Igreja que, através na V Conferência Geral do Episcopado da América-Latina e do Caribe, amordaçou os que participam da Teologia da Libertação, que nada mais é que o cristianismo a favor dos excluídos.

A conjunção desses dois fatores, mais o papel desempenhado pela mídia, deixa claro que o que estamos aplicando aos pobres é o Direito Penal do Inimigo, uma espécie de direito emergencial onde o delírio não encontra fronteira e inexiste controle democrático.

E o papel da mídia é fundamental. Ao legitimar as ações policiais e a política genocida de segurança pública que está sendo aplicada no Complexo do Alemão e em todas as comunidades carentes (quando a mídia não denuncia na verdade está legitimando), ela é conivente. Carros blindados e fuzis em favelas é como briga de cães entre taças de cristais. As paredes de alvenaria ou de madeira das casas e barracos são transpassadas pela munição usada em campos de batalhas. Dentro dessas casas, inocentes e excluídos são as vítimas. Crianças, velhos, senhoras, jovens e meninos, famílias inteiras à mercê da insanidade estatal e nós, nós aqui de fora, pela janela de nossas televisões, assistindo tudo entre o jantar e a novela das oito. Nós somos nós, ora bolas. Eles são os outros, os inimigos.

O Direito Penal do Inimigo, teoria difundida pelo alemão Günther Jakobs, é a aplicação nazi-fascista do Direito. É o direito seletivo. Antítese do princípio da isonomia democrática. Essa teoria dá legitimidade à barbárie que está acontecendo na cidade do Rio de Janeiro, aos excluídos da cidade do Rio de Janeiro, aos favelados, aos despossuídos, e serve como bálsamo para o cinismo social que a tudo testemunha de sua TVida.

É assim que funciona o Direito Penal do Inimigo, com o respaldo de alguns doutrinadores penais, que, nos momentos de comoção social, se somam à mídia, aos legisladores eleitoreiros, aos governantes incompetentes, para enganar o povo com alguma lei ignominiosa, mas, principalmente, para atemorizar o Juiz garantidor.

E esse é o pior dos efeitos. Ao acovardar quem tem o poder de garantir o Direito, o Juiz, deixa a sociedade inteira à mercê do arbítrio. E o que é uma ditadura senão a possibilidade efetiva de atuar impune e arbitrariamente, violando regras e estuprando almas e consciências, na certeza de que nada acontecerá?

A galeria aplaude, mas, como diz o samba, eu continuo na pista. Sei que essa guerra desastrada está há muito tempo perdida. Aliás, já nasceu derrotada.

No entanto, o que mais me incomoda é que, antes, foi preciso estrupar a Democracia.

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